terça-feira, 19 de maio de 2020

A ÁRVORE QUE SAIA DEMAIS


Numa floresta encantada, num recanto do planeta, um velho Jequitibá contava a história de sua natureza, trazendo em sua longevidade conhecimentos misteriosos. Tratava-se de uma vegetação gigantesca, que conseguiu sobreviver aos interesses do mercado comercial. O velho arvoredo media cerca de trinta metros de altura e estendia seus galhos de folhas sadias por invejável diâmetro, corindo e florindo uma grande área. A estrutura da árvore chamava muito a atenção.
O Jequitibá era testemunha de crimes ambientais que ocorria naquela floresta, tendo observado a derrubada de seus parentes e amigos, bem como queimadas indiscriminadas, para atender a interesses pecuaristas. Viu, por exemplo, uma irmã e uma sobrinha serem exterminadas clandestinamente e levarem para servirem a indústria de móveis como matéria prima. Descreve a cena da derrubada com detalhes impressionantes:
-" Vi a motosserra dilacerando o corpo de minha irmã, pondo-a no chão, depois de atravessá-la junto a raiz e em seguida, após caída, arrancar os seus membros um a um; as folhas choravam lágrimas de clorofila. O corpo não foi encaminhado para o Instituto Médico Legal, pois seria uma incoerência, afinal de contas ere preciso levá-lo a uma madeireira mais próxima, afim de que pudesse receber as novas formas dadas por uma indústria não credenciada."
Em relação a sobrinha, o velho Jequitibá foi mais emocional, sofrendo muito na descrição do fato :
-" Era uma criança vegetal que contribuiria dezenas de anos para a purificação do ar que os seres animados necessitam. Foi extraida sem o menor interesse comercial mas apenas porque tinha nascido numa posição que atrapalhava a derrubada de sua mãe, vindo a servir tão somente para para lenha na fogueira que aqueceria aos exterminadores no meio da floresta, após perceberem que não serviria para móveis."
O Jequitibá de mais de cem anos de vida assistiu a inúmeros acidentes no confronto do homem com a natureza. Viu a odisséia dos garimpeiros naquela floresta exuberante de vegetação diversificada, matando-se entre si pela inveja e a cobiça do ouro e pedras preciosas. Viu a vegetação rasteira ser arrancada pelas máquinas de garimpos, que produzem ainda a erosão do solo. Assistiu também preso em sua raiz, a contaminação dos rios pelo mercúrio aplicado desenfreadamente e sem controle da fiscalização, por vezes controlada, misteriosamente, sem que ele entendesse.
Nessa linha de sofrimento, o velho Jequitibá vinha acompanhando o desaparecimento da fauna daquele habitat. Lembrou-se do macaco Biriba, que vivia pulando nos seus galhos, até mesmo quebrando galhos, falando em tom de saudades, uma vez que nunca mais foi visto. Não sabia se Biriba havia migrado pela escassez de árvores ou se tinha sido devorado pelos garimpeiros famintos... O Jequitibá saia muito...
O histórico e simbólico Jequitibá viria a tombar como uma árvore que sabia demais, que não deveria deixar vestígios, sendo então arrancada pela raiz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário